25 de maio de 2008

migrante fiel


Vi que não consigo estar em muitos lugares ao mesmo tempo. Ou estou inteira, mesmo que um dia em cada parte, ou não estou em lugar nenhum. é um tipo de fidelidade que me acompanha, de ter que estar toda disponível para algo/alguém/para mim. Assim, hora de centrar-me num só blog. re. Já que o tema é migração, migremos pues. Vou concentrar os textos da viagem no América Sem Fronteiras e o Saidela fica assistindo assim paradinho. Pode ser que uma paixão ou uma tpm me faça voltar aqui para um desabafo. Mas a princípio estarei lá, aguardando sempre com uma historinha, videozinho e fotinha. Tentarei postar algo todos ou quase todos dias allá. Nos vemos?

22 de maio de 2008

calo nas cordas vocais e madre tierra caliente


quando minha irmã mais nova, taisinha, nasceu eu fiquei tão enciumada que travei a garganta. emudeci. calo nas cordas vocais. dei vários cascudos nela quando chiquitita. aos poucos fui entendendo que ela somava mais que diminuia. hoje tais é amiga, irmã, orgulho, ídola e fã. amo como uma mãe ama um filho. como boas irmãs se querem. como melhores amigas se adoram. (ela também tem blog, é bem engraçado... rere... irmã coruja! taqui o link) mas o saidela deve estar se sentido assim, meio calo nas cordas vocais. nasceu o blog queridinho, hospedado na marie claire e eu simplesmente parei de amamentar, de fazer cafuné, de contar piadas. e agora ainda venho aqui para fazer propaganda do irmão mais novo. mas aos poucos acho que os dois vão se entendendo e um vai tendo orgulho do outro até entenderem que são complementários. rere.
está no ar o blog sobre migração feminina e cultura centro americana: http://americasemfronteiras.com.br/ entrem comentem critiquem se revoltem se apaixonem ou só deem uma espiadela. também está no ar parte da primeira matéria para a fórum sobre migração (clique aqui para ir lá). critiquem. estou distante, então faz bem saber o que funciona e envolve e o que cansa...mas um pouco da vida aqui, para que o filho mais velho também se sinta especial...
acabo de voltar de arenal, o único dos cinco vulcões costa riquenhos que está ativo. nossa. que emoção. quando se chega perto (mas nem tão perto) parece que nos aproximamos de uma pipoqueira gigante. póc.... póc, tbum... póc. as pedras em fogo se jogam morro abaixo queimando num líquido vermelho vermelho. a noite fiquei lá observando os fogos de artíficio invertidos na beira de um rio. fogo líquido, canto de água, ar puro no pulmão, sentada na terra. nunca havia sentido o planeta tão vivo, tão quente. emocionante. no céu a lua cheia cheia coroando o presente da madre tierra. lindo!

16 de maio de 2008

pô, aí, pode crer...


pô, este vai ser um post tipo assim, papo de surfista de primeira marola, sacualé? fiz minha primeira aula de surf! sensacional! nos primeiros cinco segundos em pé na prancha em movimento (lento, ok) me senti uma proof. acabou a primeira aula e fiquei lá mais um tempinho. a maré subiu e fuime. aí quando começou a baixar again, voltei. não entendia porque o professor bonitão mandou surfar só nas waves já quebradas, com espuminha branca e fui tirar a dúvida. rere. caxote nela! sai girando embaixo dágua com a prancha voando. mas lembrei que tem que proteger a cabeça com os braços para a paradinha de trás não estourar os miolos (isto fiquei sabendo enquanto comia nuddles com um californiano em san josé, isaac, que me deu uma aula informal entre mordidas). voltei para as ondas quebradas e senti a maior emoção de ficar lá em pé em cima da marola aproveitando a brisa, o vôo, a água. o sol se foi detrás das nuvens e nem me dei conta. a lua quase cheia iluminou um pouquinho mais e fiquei lá, no nada. pô, só, pode crer.

14 de maio de 2008

de tanto ir às vezes da vontade de ficar


fui numas prainhas no sul da costa rica, do lado do caribe. quando entrei no mar comecei a chorar sorrindo, num obrigado por estar neste mergulho. to me sentindo aberta. e assim, sem muito esperar e bastante indo, as coisas parecem fluir. na tal praia linda, punta uva, cercada por mata e de um azul bem azul, conheci edswart. um holandes que molecóide chegou ali num dia de chuva e também fez uma prece. comprou um terreno, construi uma casa, outra, mais uma. aluga todas (clique aqui para ver que belezura de casas). ia entrevistá-lo dez minutinhos porque o ônibus já ia passar em vinte. sentei e ele começou a contar de suas andanças, na sala de sua casa - uma coisa sem paredes, cercada por uma matinha, com tudo ali exposto, aberto; onde o vento ia ou voltava e os macacos gritavam no teto. logo chegou sua namorada argentina e dançarina. perdi o ônibus, ganhei o almoço e um convite para o jantar. jantamos sorridentes, vimos um doc da bbc sobre vida marinha. dormi. acordei morta de fome, peguei uma bici e fui desayunar. depois da primeira parada - onde a comida tinha acabado quase levando meu humor - e outros cinco quilometros cheguei numa outra praia onde uma casita exibia a placa "desayuno". tudo fechado. olhei um pouco mais e surge um mocinho despenteado. "quero frutas". "ok, ensalada con granola". cinco minutos mais e volta. "se acabaran las frutas". "lo que sea. tengo hambre." junto com os ovos mexidos o menino botou na mesa o violão e começou a cantarolar e conversar. "vou daqui a pouco pegar lagosta, quer ir?" lanchinha adentro, mar afora. um visual incrível: mar azul azul, uma ilha chamada punta mona, muitos peixes nadando nos corais. fiquei ali respirando o ar e a água. a camera que ficou no quarto choramingou. mas meus olhos, de certa forma, comemoraram aquela liberdade sem molduras. fim de tarde e pé na bici. jantar de pepino e mortadela com por do sol. quarto e trabalho até meia noite. o dia perfeito, harmonico. des de então tenho tentado estar mais, escutar mais. pensar menos. não sei, mas tá bom. fui dali com vontade de ficar - primeira vez na viagem. com vontade de ter uma casa. fotografei detalhes da beach house de edswart. coloquei numa pasta chamada "estudos para uma casa". ele viu no desktop e sorriu. contei que tirei foto dos detalhes da casa. ele também riu e encerrou: "a gente pode copiar tudo. só não pode copiar a gente mesmo".

4 de maio de 2008

ócio


Parti para o sul da rica costa. Quase no caribe, uma reserva dentro da localidade de bananito. Sin, por supuesto, hay mucha banana. Amarela grande, média, rosa com gosto de ouro, delícia. A região, abandonada por boa parte da colonização só ganhou importância no século XX quando notaram que ali era mais perto da Europa e fizeram um ferro carril (que aqui pronunciam com um sotaque bem gringo, tipo feroucariul) ligando ao Pacífico. As coisas começaram a ser escoadas para o porto de Limón e então um gringo começou a plantar bananas. Funcionou. Assim começou a República das Bananas, como se autodenominam, nem sempre com orgulho, os ticos. Ah! Para construir o trem trouxeram chinos e não lembro quem. Febre amarela e malária detonou os funcionários e então recorreram as ilhas caribenhas e alugaram escravos africanos. Depois da construção largaram os negões por aqui e até meados do século XX eles eram proibidos de ir para capital (uia.). Resultado disso e de migrações recentes, a costa atlântica é super negra e fala inglês jamaicano tanto quanto espanhol. Assim foi a história que me contou Justo, guia do tal lodge que fiquei, o Selva Bananito. Ali, paz. Cheguei um tico cansada. Dormi nem três horas acabando de organizar as coisas internéticas e me preparando para o nada de eletricidade. No caminho um sol que pareciam dois. Uma espera de quatro horas num restaurante que não tinha comida nem coca cola. Chegaram os alemães que iriam junto, conversando, of course, em alemão. Pegamos um carro que andou até o derrumbre da estrada e aí cruzamos a parte caída a pé para embarcar no 4x4 do outro lado. No carro tocava um reggaeton que eu tentava imaginar o que cantava me divertindo. O reggaeton é tipo funk carioca: super bailantes mas com umas letras bem escrotinhas. E neste clima cheguei no tal lodge. Lá um silêncio já esquecido depois de tantos dias na capital. Só se quebrava o nada ruidos de folha, cantos de dezenas de pássaros, os passos. Em bem poucos minutos o cérebro quente tshaaaaa. Nos dias que seguiram luxos de Jane: caminhada de sete horas, rappel em cachoeira, tirolesa por entre copas de árvores, cavalgado com o cavalo mais lindo que conheci, tree climbing – subi quarenta metros numa corda, meus musculos dos braços e costas me recordam a todo momento a estripulia… mas lá de cima gritava feito criança o “uo uo uo oouoooo”. Na primeira noite, com todas as estrelas do hemisfério norte na minha janela, assisti um filme de uma diretora costa riquenha, ishtar, sobre migração nicaraguense (o filme é tema da terceira matéria para a TAL, brevemente estará online…). A bateria do computador assim acabou e só no dia seguinte descobri que seria impossível recarregá-la. Havia algumas pendencias de trabalho para aqueles dias mas lembrei de mamãe - “o que não tem remédio remediado está” - e relaxei. Creio que só então entendi o significado do ócio criativo. Ali, com o silêncio, o corpo ativo, bons papos e risos com um casal que chegou depois (já estava começando a rir das piadas em alemão, duro) vi meu cérebro funcionado de uma forma tão harmônica… Um texto que não via saída tomou forma espontaneamente numa caminhada, o outro se escreveu inteiro em minha cabeça. O cronograma se fez óbvio, as dúvidas receberam respostas ou reticências. Tudo pareceu mais simples que era. E é. E tem que ser. Desligando a máquina da tomada me conectei. Necessário as vezes, não?

29 de abril de 2008

A arte.

ou a tpm.
ou a impotência.

o
u nada.


antes de ontem conheci uma migrante de 19 anos. Jessica. veio da nicaragua, sem grana, sem passaporte porque não tinha dinheiro para tira-lo. pagou 20 contos de dólar prum policial corrupto, cruzou para costa rica. trabalhou uma semana num bar por dez dolares e depois de reclamar para dona de que os fregueses lhe pediam que sentassem no colo e lhe passavam a mão na perna ouviu um “é bom você obedecer porque tem muita gente, com papel inclusive, querendo seu emprego”. um dia saindo do trabalho tentaram estuprá-la e ela então largou o fabuloso trabalho e a cidade e perambulou até chegar na capital San José. há duas noites dormia na praça que a conheci. não tinha dinheiro, trabalho, documentos. tinha uma filha internada com pneumonia do outro lado da fronteira, uma mãe há vinte dias sem notícia, um choro engasgado, bastante medo e pouco esperança. me deixou com um sentimento de impotência incrível. dei um dinheirinho, meu chale, um número telefonico. a noite deitei na cama, embaixo do cobertor e odiei o mundo. fique ali pensando o que fazer para ajudar aquela sem sorte. depois de reviradas e viradas dormi. dormi muito inclusive. acordei acreditando que com meu trabalho poderia ajudar a iluminar um escuro. nunca, que me lembre, havia sentido esta paixão por uma tarefa. como um sentido em minha vida alegre – sem tirar meus sorrisos, mas não me aprisionando em minha bolha.
continuei pensando como ajudar aquela mulher, liguei para um entrevistado do Caritas (jesuitas que trabalham com migrantes) que se ofereceu de ajuda-la. voltei a praça e não a encontrei. xinguei uns nojentos que me cantaram qualquer “mami, que culo”. gritei “no soy una perra chico”. me responderam algo de pouca educação – vai ver que sou uma perra. não sei. me senti um pouco tonta de gritar sozinha com meu sotaque brasileño para um grupo de homens machistas no meio da rua na costa rica. TPM. quando a censura baixa e somos sinceras. nada passou. segui. entrevistei uma mulher apaixonada pelo trabalho com as migrantes (adilia solis), que conta os casos com os olhos molhados – “nunca me acostumo”. arrumei coisas rotineiras, comprei o tenis que faltava, um casaco, creme para os cabelos. e decidi ir ao cine. des de o começo da viagem que não entro numa sala. muita realidade cansa.
El Violin chama. mexicano. trata de uma invasão do exército numa comunidade, provavelmente no Chiapas e de um senhorzinho violinista que tenta ajudar o caos. lindo filme. triste. ali vi gente se deslocando, sem rumo, sem sonhos. “la musica se acabó”. não conto mais do filme, há que assisti-lo. mas acabou a sessão e fui invadida por uma convulsão de choro destas de ter de se refugiar no banheiro. não havia chorado com o caso de Jessica. a realidade parece muito ficção para que me permitisse desabar. mas ali, com o filme tão real pude me desanestesiar. bendita a arte. malditos "homens ambiciosos". "mas um dia se volta ao bosque". ojala se volte.

ps: vale ir no site de el violin e escutar as músicas disponíveis do lado esquerdo da nossa tela. só clicar aqui para ir para lá.


Cuidado com o que você lê

Ou Vó, por favor não leia este
Ou A incrível história de um óvulo desperdiçado, um marido ciumento, um israelense tarado, um garçon xavequeiro e uma mina fantasiosa.

O óvulo acabava de se maturar. Cheio, preparava-se para a cruzada de sua vida já na porta do ovário. Enquanto isso, eu entrava num bangalo todo de madeira e tela. No meio, uma king size de onde, por baixo do cortinado, se avistava uma mata em primeiro plano e o Pacífico ao fundo. Comecei a rir de tanto luxo e beleza que seriam meus. Passada a euforia, o diabinho, já com os hormônios reprodutivos, gritava: "Trouxa! Tudo isso e você aí sozinha!" Nunca tive problemas em viajar solita. Sempre me descobri mais, me senti mais segura, mais mulher. Mas às vezes é um total desperdício não ter um muchacho do lado, lo siento. Já havia tido essa sensaçãozinha na caribenha San Blas: fiquei lá, lembrando saudosa do paquera brasileiro e rezando por um alemão/sueco/espanhol/francês, no número perfeito, embaixo do coqueiro. Mas hoje, depois de sair do paraíso privado, chegar no salão do jantar e dar de cara com mesas à luz de velas, achei que era demais. Decidi não voltar ali sozinha e no dia seguinte levei o livrinho que ainda não havia conhecido a América Central. Gay Talesse, em A Mulher do Próximo, conta, com uma riqueza impressionante de detalhes, a história da pornografia norte-americana. Sentia-me meio que me vingando daqueles puristas de quadris presos, sentados romanticamente na minha frente, ao ler sobre seus passados vitorianos de repressão.
Assim que o garçon saiu com meu pedido, Bullaro recebeu um telefonema de Willianson, marido de sua amante Bárbara. Amedrontado, aceitou o convite para um almoço. E enquanto eu desgustava meu peixe - olhando para um casal em lua-de-mel que comia metade da salada e trocava de prato para que os dois provassem um pouco de cada (que bonito…) - Bullaro se surpreendia durante sua refeição: o traído lhe contara que aprovava o caso dele, porque a relação fazia muito bem à esposa. Dessa forma, convidou Bullaro a visitar a casa deles e a conhecer um grupo que se reunia ali, buscando a liberação sexual, a libertação de padrões de posse nas relações. Bullaro, um tanto curioso outro tanto temeroso, visitou a casa uma primeira vez. Na segunda, todos já estavam nus. Foi quando, por fim, acabei o meu sorvete-de-café-costa-riquenho-orgástico (hum..) e já no dia seguinte parti daquele paraíso – Península do Osa – com destino a outra terra encantada – Reserva Manuel Antonio, perto de Puerto Quepos.
Entrava no primeiro ônibus quando o óvulo finalmente começou sua trajetória majestosa por Falópios. Outros dois ônibus e sento numa rodoviariazinha aguardando o penúltimo coletivo. Saco, então, meu melhor amigo da bolsa, e agora Willianson convida a mulher de Bullaro (uia!) para visitá-los. Um tanto constrangido, o marido traidor leva a esposa Judith para a casa da amante. Numa cena pavorosa, Bárbara conta publicamente que havia transado com o marido dela naquela tarde. Judith começa a chorar. Bullaro a tremer. No fim de todo o discurso sobre a liberação sexual, Judith aceita voltar ali e permitir que seu marido faça um amorzinho com outra. Enquanto o casal voltava, mudo, para casa, um homem senta na cadeira laranja ao meu lado. Confirmo se ali era o ponto correto para Quepos e, sem que eu nada mais pergunte, o homem começa seu serviço de informações: "Ah… então você vai para Quepos… sabia que lá tinha uma praia de nudismo? Só que aí começou a dar muito homem todos com o… (e me mostra seu braço em ereção) e aí todo mundo começou a trepar na praia, todo mundo junto. Aí teve gente que não gostou, gente conservadora, e aí acabaram com a praia". Sorrio e ameaço voltar para os braços de Bullaro, quando volta o homem pouco bonito: "Você está viajando sozinha?", respondo "Tô", e ele continua, "Mas não tem namorado?" Daí invoquei meu amado fantasma que sempre aparece nos momentos de "não me enche o saco!" – nem eu sei como, mas quando falo dele meus olhinhos brilham numa paixão tão pura (rarara): "Tenho". "Mas ele não vem aqui?" "Ele está trabalhando, mas semana que vem nos encontramos em San José", sorrio muito apaixonada por Gasparzinho. "Mas você não toparia uma aventura assim com um Tico (os costa-riquenhos se chamam de Ticos) como eu?" Sem me dar espaço para um "não" ele continua: "...uma vez vivi uma história muito bonita com uma brasileira. Ela também era casada, mas aconteceu… e ficamos cinco dias vivendo como um casal, na mesma cabana". Depois de me dar detalhes calientes de sua aventura tenta de novo: "Você não aceitaria viver isso?" Explico que sou muito fiel e que adoro uma relação fechada, com base no respeito mútuo, no "até que a morte nos separe", na verdade e qualquer coisa bem careta que me passasse na cabeça. Definitivamente, preferia viver uma fantasia com Bárbara que com o senhor sentado na cadeira ao lado. Logo entro noutro ônibus e na casa das orgias. Ali, Judith chora ao ouvir os gemidos altos da ruiva ao ser fodida por seu próprio marido.
Depois, na sala, relaxa e até ri ao lado de Willianson. Os dois casais vão juntos para um final de semana em uma cabana. Bárbara e seu amante se metem num quarto. Enquanto unem seus corpos suados, eu faço o check in do quarto e um check list num garçon boa pinta que serve a mesa ao lado. Sigo para a praia. A esta altura, certamente o óvulo estava no centro do útero gritando desesperadamente: "Sai dando querida!!!! Me preparei 28 anos para isto! Filhos!!! Eu quero filhos! Você já está na idade, pára de tanta fantasia! Eu quero realidade!" Caminho entre uma mata e um mar azul quando me sinto mirada por um corpo dourado - engraçado como os turistas ficam trocando sorrisos, numa atitude de cumplicidade tipo "é, eu também estou de férias e agora sou feliz". Sorrio simpaticamente e o cara faz um gesto para que eu me sente ao seu lado. Acho bizarro e continuo rumo à reserva. Mais alguns passos relajados e o cara chega: "desculpa, é que eu sou artista... desenho… tô com os lápis, com tudo aqui na bolsa. Te vi e não sei… é… fiquei com vontade de te desenhar. Posso te desenhar?" Um pouco envaidecida e um pouco divertida por ver o israelense num misto de timidez e cara de pau, ri. Disse que tudo bem, que voltaria por ali no final do dia. Ele insistiu para que fosse naquele momento e eu respondi que queria tirar fotos na reserva, que nos veríamos depois. Segui e após alguns passos ele ressurge: "então nos encontramos na praia entre as pedras, dentro da reserva. O parque fecha, mas você pode ficar lá dentro e então eu te encontro às quatro". Sorri concordando sem saber se meu sorriso era de sim ou não. Segui. Fiz uma trilha sensacional, onde macacos pousavam para fotos e ondas estouravam transparentes penhasco abaixo. Entre um e outro "não pensar em nada" pensava em Bullaro. Pensava no desenhista. Me sentia careta por quase não querer ir para a tal praia entre rochas. Mas fui. Ele não estava. Andei um pouco mais e quando voltei ele veio ao meu encontro. Estava sem a bolsa que deveria ter seus instrumentos de trabalho e me contou uma lorota qualquer nota: " vim aqui… você não estava então deixei a bolsa com uns amigos". A praia era linda e a luz baixa alaranjada anunciava um pôr-do-sol sensacional. Não me sentia ameaçada pelo desenhista sem lápis e sentei ali. Ele perguntou se eu queria nadar. Disse que não. Ele perguntou se me importava se ele nadasse pelado. Disse que não. Enquanto ele tirava a bermuda surfistinha, me virei para chamar Bullaro, apenas para fazer qualquer coisa. Bullaro acabava o sexo com Bárbara. O israelense me pergunta: "Tem certeza que não quer nadar?" Me viro para responder e quase bato o nariz em seu órgão em riste. Mais divertida do que constrangida – mas nada excitada com a diretice pouco romântica – agradeço e digo que prefiro ler. Ele vai para a água enquanto Bullaro sai do quarto e se depara com um casal se amando na frente da lareira. Admirado com a cena – nunca havia visto sexo explícito – ele nota que as coxas ali abertas eram as (pernas) de sua mulher. Enlouquecido volta para o quarto e nega o abraço da calorosa amante. Bullaro entra então no carro, transtornado, pensando em matar Willianson. O israelense volta da água e se abaixa ao meu lado com duas pernas dobradas e outra estendida. Ele pergunta se tudo bem continuar nu, digo que sim mas que não significava nada mais que aquilo. Como não me sentia constrangida nem temerosa de qualquer agressão continuei um pouco curiosa pelo inesperado. "Posso te ajudar em alguma coisa?", fala com a mão em meu ombro. Peço que não me encoste e em seguida comento do pára-quedas que passava puxado por uma lancha: "Uau, deve ser lindo! Que delícia voar! Onde é que se aluga isso? Será que é caro?" "Eu também posso te levar para voar… e não custa nada… pufff" fala com as mãos a se abrirem em êxtase no ar. Oquei, pode ser cultural, caretice, mulherzinha, seja lá o que for. O cara era um gato, bronzeado e bem dotado, mas meu lado latina necessita de um tanto de sambarilove para abrir as pernas. Às vezes desejo ser uma nórdica ou uma coisa mais liberada e simplesmente ir. Mas não rola. Ou pelo menos sem àlcool não rola. Levantei: "Ok! Ya me voy!" O espanhol do cara começou a gaguejar, me pediu desculpas. Disse estar fora de si nos últimos dias. Que tampouco queria transar "tengo una novia..", mas desde que a viu abraçando outro ficou louco, "muy zeloso", transtornado e agora tinha vontade de transar com alguém também. (Fala sério.) Me pediu que não contasse para ela que havia nadado nú na minha frente (fala sério!). Desejo boa sorte na relação, que se resolva, mas que não havia gostado, que ele havia sido rude. Ele pede desculpas completamente gaguejante, procurando palavras que não encontrava no seu volcabulário de segunda língua. Busco minha outra grande amiga de momentos de "não sei o que fazer" e começo a tirar fotos freneticamente do pôr-do-sol – deslumbrante pôr-do-sol… Ele fica ainda tentando dar alguma explicação, conseguindo piorar: "...então se eu me divorciar eu te procuro e a gente se casa". Abaixo a câmera e olho com um misto de desdém, de riso preso, de oh my god! "Tudo bem, casar pode ser demais", emenda. "Suerte chico! Pura vida! Solamente estoy enojada, quiero estar sola". Click click click. Click. Volto ao hotel.


Enquanto o capítulo de Bullaro acabava (mas ele vai voltar e fazer alguma tragédia, pressinto…), pedia um camarão grande para o garçom broto. Goldstein, o novo amigo que me fora apresentado por Gay Talesse, era gordo, gago e não muito bem resolvido sexualmente. Enquanto perdia sua virgindade com uma puta nas cercanias da Broadway, o Tico me serviu os camarões que vinham com metade de seus corpos cortados longitudinalmente. Dessa forma, um era encaixado no outro da frente, dando-me a sensação de que estavam se encoxando num trenzinho bem ali no meu prato. Golsdtein começou a namorar uma mina para frentex por quem se apaixonou loucamente, e o garçon gatinho então perguntou se eu queria algo mais. Sorri agradecendo. "Pero para lo que necesites, acá estoy. En la hora que quieras". Sorri outra vez mais e não sei qual era o teor de meu olhar. "Que vas hacer por la noche? Salgo hoy a las diez, no quiere irse a bailar?" Uau! "Puede ser bueno…" "Tomamos, nos divertimos, bailamos", um latin lover perfeito, cara de não vale nada, destes perfeitos para "a noite de amanhã já me vou". A orgia dos camarões havia abaixado minhas pálpebras, mas a idéia de uma salsa com o Tico me animou bastante. Eram 20h e fui para o quarto. Goldstein se casou com uma gordinha e sua vida sexual se tornou um fiasco. Parou de trepar com a mulher e começou a bater punheta loucamente para revistas, fotos de anuncio de lingerie, cinemas para adultos. Perdeu o emprego, entrou em crises. Me deu sono. Decidi tirar um cochilo antes do baile. Coloquei o despertador para 21h30. Sonhei coisas confusas misturando Bullaro, o israelense, casos passados, gringos negros de terno, biopirataria e uma cama elástica. Acordei sete da manhã num pulo. Enquanto eu lamentava a rumbia perdida, o óvulo, frustrado por ter dado toda a sua vida por nada, se atirava por entre as pernas matando a esperança da nova vida. Too late. Mas mês que vem tem mais.

PS1: no dia seguinte encontrei o israelense. Me pediu outras desculpas, disse que não queria que eu tivesse nenhuma má recordação em minha viagem. Acho que ele é legal, na verdade. Só um pouco sem noção e transtornado de ciúmes.
O broto latin lover disse que me esperou até 22h15 e então foi se emborrachar – tinha uma cara de safado que me fez odiar meu sono pesado. Segui à tarde para San José. Será que meu namorado fantasma vem? rarara


PS2: Na dúvida de se essas coincidências serão um padrão entre realidade e ficção… acabando de ler A Mulher do Próximo, gostaria de ler um romance em que uma viajera conhece um fotógrafo sueco muito talentoso, lindo, atlético, sensacional, sensível, aventureiro, monogâmico, carinhoso e inteligente; os dois se apaixonam absurdamente e saem a velejar pelo mundo no navio dele, até encontrarem uma ilha paradísiaca e decidirem que irão viver ali por um tempo tirando fotos e fazendo vídeos da cultura dos nativos para um canal europeu. Alguém conhece algum com um enredo assim? rarara.

notinhas sem importância sobre a cidade do panamá

- a moeda é o dolar e no aeroporto não trocam nossos reais;
- a primeira vista da cidade parece uma dubai em dimesões centro americanas: prédios modernosos na beira do pacífico;
- muito marisco: camarões grandes, lula, polvo e preços simpáticos!
- táxis que dividem os bancos pegando gente pelo caminho; se dão ao direito de te aceitar ou não; falam rápido, não usam o nome das ruas, mas são baratos, bem baratos; fiz um trecho de dez minutos ou mais por US$ 1,25;
- os ônibus são conhecidos como diablo rojos, correm móinto;
- o trânsito é louco; há cruzamentos sem sinal onde, apesar da pista preferencial estar bombando, os carros simplesmente se jogam cruzando, e that’s it;
- baladas bacanas.

25 de abril de 2008

um paraíso para cada dia do ano

Assim é San Blas. Umas ilhotinhas perdidas no azul caribenho. Umas grandes, outra cenário de filmes com um único coqueirinho na areia branca. Paradisíaco. Tudo ali é propriedade da etnia indígena kuna sendo que os mais velhos não arriscam nenhuma palavrinha em espanhol. Boa parte dos turista fica em casas de família e hotéis improvisados.
Foi no meu segundo dia por lá conheci Andreia. Sempre piro pensando que as pessoas que conheço e gosto nas viagens se morassem na mesma cidade que eu jamais nos cruzaríamos. Que o que nos une é normalmente a paixão por estarmos em um local desconhecido, uma língua diferente que permite que muito se fantasie sobre o outro nas lacunas do incompreensível. E nada mais. Mas da Andreia seria amiga, com certeza. Assim depois da praia fomos dar uma voltinha na vila. Curiosa por um cartaz que explicava o que era violência contra a mulher, entrei num hospital. Li e puxei qualquer assunto com o cara sentado na frente da tv. Daí a pouco já estava confortável na cadeira ao seu lado, e outro pouco mais Andreia do outro lado. O homem era kuna, nascido na ilha ao lado. Foi para Cuba fazer medicina, depois trabalhou na Cidade Panamá e agora voltava para trabalhar com seu povo. Tinha uma visão que mesclava a crítica de quem vê de fora e a compreensão de quem cresceu dentro. Contou que nos rituais de casamento os amigos do homem buscam ele e carregam na carcunda até a cabana da noiva. Colocam-no numa rede enquanto ela aguarda escondida. Os amigos então buscam-na e colocam na mesma rede. Ali se faz a cerimonia. Disse que antes ela ficava numa rede num extremo da oca e ele noutra – com os pais da moça bem no meio. A cada noite eles se aproximavam uma redinha e só depois de romperem todas as barreiras os pombinhos podiam viver sua lua de mel, bem ali ao lado dos sogrões. Mas que hoje o processo é mais rápido e na primeira noite já vale um amorzinho. Fiquei imaginando a noção de intimidade que eles tem. Coisas que para os ocidentais derivados dos europeus são totalmente tabus e vergonhas para eles deve ocorrer numa normalidade deliciosa. Se aproximou as onze da noite, hora em que o gerador pára, e antes da privacidade nas ocas se iluminar, caminhamos de volta para o hotelito que tocava Nirvana no DVD.

Mão na bunda

Pela primeira vez saí do hotel. Os dias corridos de cobertura de imprensa arrasaram a vaidade e o rimel. Mas indo ali, do outro lado da avenida, senti que valia uma basesinha com gloss. Fazia tempo que não escutava tanta buzina cantando e tantos olhares que miram os corpos femininos como se fossem bistecas. Um certo nojo. Atravesso a rua e enquanto espero a amiga amedrontada com os carros um negão largo passa do meu lado. Sussura um chica sei lá o que que não entendo e passa a mão na minha bunda. Empanico com o machismo da zona mais nobre da cidade. Uma vozinha então me fala discretamente: ojo chica, o mundo não é o que deveria.

bye bye baby

Saí do carro como quem diz “pô, até amanhã”. Vinte e um quilos nas costas, outros dez de camera e afins, um táxi e uma perguntinha insistente: “tá indo por quê?” Não faltavam certezas mas a despedida deliciosamente confusa fez tudo começar um pouco mais platônico e romântico. Me senti ali um soldado indo para a guerra com um maço de envelopes, se apegando a alguma certeza e algum porto, que se deslocariam dia a dia, mail a mail, silêncio a silêncio. A mão fria e estômago gelado de horas anteriores haviam movimentado o corpo de uma forma adolescente que ia totalmente de encontro aquele discurso todo de independência que arrumou a mala. No aeroporto os suspiros guiaram até o avião, o sono pesado até o Panamá e lá – acá – as pernas até a primeira cerveja. Demorou para o primeiro gole. Três dias. E a primeira botella não teve cia. Ficou ali dentro de mim, feliz, ouvindo salsa, merengue e hits americanos dos 80.