4 de maio de 2008

ócio


Parti para o sul da rica costa. Quase no caribe, uma reserva dentro da localidade de bananito. Sin, por supuesto, hay mucha banana. Amarela grande, média, rosa com gosto de ouro, delícia. A região, abandonada por boa parte da colonização só ganhou importância no século XX quando notaram que ali era mais perto da Europa e fizeram um ferro carril (que aqui pronunciam com um sotaque bem gringo, tipo feroucariul) ligando ao Pacífico. As coisas começaram a ser escoadas para o porto de Limón e então um gringo começou a plantar bananas. Funcionou. Assim começou a República das Bananas, como se autodenominam, nem sempre com orgulho, os ticos. Ah! Para construir o trem trouxeram chinos e não lembro quem. Febre amarela e malária detonou os funcionários e então recorreram as ilhas caribenhas e alugaram escravos africanos. Depois da construção largaram os negões por aqui e até meados do século XX eles eram proibidos de ir para capital (uia.). Resultado disso e de migrações recentes, a costa atlântica é super negra e fala inglês jamaicano tanto quanto espanhol. Assim foi a história que me contou Justo, guia do tal lodge que fiquei, o Selva Bananito. Ali, paz. Cheguei um tico cansada. Dormi nem três horas acabando de organizar as coisas internéticas e me preparando para o nada de eletricidade. No caminho um sol que pareciam dois. Uma espera de quatro horas num restaurante que não tinha comida nem coca cola. Chegaram os alemães que iriam junto, conversando, of course, em alemão. Pegamos um carro que andou até o derrumbre da estrada e aí cruzamos a parte caída a pé para embarcar no 4x4 do outro lado. No carro tocava um reggaeton que eu tentava imaginar o que cantava me divertindo. O reggaeton é tipo funk carioca: super bailantes mas com umas letras bem escrotinhas. E neste clima cheguei no tal lodge. Lá um silêncio já esquecido depois de tantos dias na capital. Só se quebrava o nada ruidos de folha, cantos de dezenas de pássaros, os passos. Em bem poucos minutos o cérebro quente tshaaaaa. Nos dias que seguiram luxos de Jane: caminhada de sete horas, rappel em cachoeira, tirolesa por entre copas de árvores, cavalgado com o cavalo mais lindo que conheci, tree climbing – subi quarenta metros numa corda, meus musculos dos braços e costas me recordam a todo momento a estripulia… mas lá de cima gritava feito criança o “uo uo uo oouoooo”. Na primeira noite, com todas as estrelas do hemisfério norte na minha janela, assisti um filme de uma diretora costa riquenha, ishtar, sobre migração nicaraguense (o filme é tema da terceira matéria para a TAL, brevemente estará online…). A bateria do computador assim acabou e só no dia seguinte descobri que seria impossível recarregá-la. Havia algumas pendencias de trabalho para aqueles dias mas lembrei de mamãe - “o que não tem remédio remediado está” - e relaxei. Creio que só então entendi o significado do ócio criativo. Ali, com o silêncio, o corpo ativo, bons papos e risos com um casal que chegou depois (já estava começando a rir das piadas em alemão, duro) vi meu cérebro funcionado de uma forma tão harmônica… Um texto que não via saída tomou forma espontaneamente numa caminhada, o outro se escreveu inteiro em minha cabeça. O cronograma se fez óbvio, as dúvidas receberam respostas ou reticências. Tudo pareceu mais simples que era. E é. E tem que ser. Desligando a máquina da tomada me conectei. Necessário as vezes, não?

2 comentários:

celiaice disse...

Seus textos sao fortes e delicados por exprimirem a relacao olho no olho com a vida, por permirtir-se o dialogo entre o sentir/experimentar e a alteridade sentida e experimentada, essa fusion e esse ato de esmiucar (nao tenho cedilhas nem til...)o de dentro e o de fora que se fez dentro.
Saudades minha Lililindinha

artur louback disse...

você escreve tão bem...
você fotografa tão bem...
você é tão legal...

sinto muito sua falta, mas tô explodindo de felicidade e orgulho por tudo que você tem feito.

E garanto que, como eu, tem uma multidão torcendo por você aqui.
bjos
Artur