29 de abril de 2008

A arte.

ou a tpm.
ou a impotência.

o
u nada.


antes de ontem conheci uma migrante de 19 anos. Jessica. veio da nicaragua, sem grana, sem passaporte porque não tinha dinheiro para tira-lo. pagou 20 contos de dólar prum policial corrupto, cruzou para costa rica. trabalhou uma semana num bar por dez dolares e depois de reclamar para dona de que os fregueses lhe pediam que sentassem no colo e lhe passavam a mão na perna ouviu um “é bom você obedecer porque tem muita gente, com papel inclusive, querendo seu emprego”. um dia saindo do trabalho tentaram estuprá-la e ela então largou o fabuloso trabalho e a cidade e perambulou até chegar na capital San José. há duas noites dormia na praça que a conheci. não tinha dinheiro, trabalho, documentos. tinha uma filha internada com pneumonia do outro lado da fronteira, uma mãe há vinte dias sem notícia, um choro engasgado, bastante medo e pouco esperança. me deixou com um sentimento de impotência incrível. dei um dinheirinho, meu chale, um número telefonico. a noite deitei na cama, embaixo do cobertor e odiei o mundo. fique ali pensando o que fazer para ajudar aquela sem sorte. depois de reviradas e viradas dormi. dormi muito inclusive. acordei acreditando que com meu trabalho poderia ajudar a iluminar um escuro. nunca, que me lembre, havia sentido esta paixão por uma tarefa. como um sentido em minha vida alegre – sem tirar meus sorrisos, mas não me aprisionando em minha bolha.
continuei pensando como ajudar aquela mulher, liguei para um entrevistado do Caritas (jesuitas que trabalham com migrantes) que se ofereceu de ajuda-la. voltei a praça e não a encontrei. xinguei uns nojentos que me cantaram qualquer “mami, que culo”. gritei “no soy una perra chico”. me responderam algo de pouca educação – vai ver que sou uma perra. não sei. me senti um pouco tonta de gritar sozinha com meu sotaque brasileño para um grupo de homens machistas no meio da rua na costa rica. TPM. quando a censura baixa e somos sinceras. nada passou. segui. entrevistei uma mulher apaixonada pelo trabalho com as migrantes (adilia solis), que conta os casos com os olhos molhados – “nunca me acostumo”. arrumei coisas rotineiras, comprei o tenis que faltava, um casaco, creme para os cabelos. e decidi ir ao cine. des de o começo da viagem que não entro numa sala. muita realidade cansa.
El Violin chama. mexicano. trata de uma invasão do exército numa comunidade, provavelmente no Chiapas e de um senhorzinho violinista que tenta ajudar o caos. lindo filme. triste. ali vi gente se deslocando, sem rumo, sem sonhos. “la musica se acabó”. não conto mais do filme, há que assisti-lo. mas acabou a sessão e fui invadida por uma convulsão de choro destas de ter de se refugiar no banheiro. não havia chorado com o caso de Jessica. a realidade parece muito ficção para que me permitisse desabar. mas ali, com o filme tão real pude me desanestesiar. bendita a arte. malditos "homens ambiciosos". "mas um dia se volta ao bosque". ojala se volte.

ps: vale ir no site de el violin e escutar as músicas disponíveis do lado esquerdo da nossa tela. só clicar aqui para ir para lá.


Cuidado com o que você lê

Ou Vó, por favor não leia este
Ou A incrível história de um óvulo desperdiçado, um marido ciumento, um israelense tarado, um garçon xavequeiro e uma mina fantasiosa.

O óvulo acabava de se maturar. Cheio, preparava-se para a cruzada de sua vida já na porta do ovário. Enquanto isso, eu entrava num bangalo todo de madeira e tela. No meio, uma king size de onde, por baixo do cortinado, se avistava uma mata em primeiro plano e o Pacífico ao fundo. Comecei a rir de tanto luxo e beleza que seriam meus. Passada a euforia, o diabinho, já com os hormônios reprodutivos, gritava: "Trouxa! Tudo isso e você aí sozinha!" Nunca tive problemas em viajar solita. Sempre me descobri mais, me senti mais segura, mais mulher. Mas às vezes é um total desperdício não ter um muchacho do lado, lo siento. Já havia tido essa sensaçãozinha na caribenha San Blas: fiquei lá, lembrando saudosa do paquera brasileiro e rezando por um alemão/sueco/espanhol/francês, no número perfeito, embaixo do coqueiro. Mas hoje, depois de sair do paraíso privado, chegar no salão do jantar e dar de cara com mesas à luz de velas, achei que era demais. Decidi não voltar ali sozinha e no dia seguinte levei o livrinho que ainda não havia conhecido a América Central. Gay Talesse, em A Mulher do Próximo, conta, com uma riqueza impressionante de detalhes, a história da pornografia norte-americana. Sentia-me meio que me vingando daqueles puristas de quadris presos, sentados romanticamente na minha frente, ao ler sobre seus passados vitorianos de repressão.
Assim que o garçon saiu com meu pedido, Bullaro recebeu um telefonema de Willianson, marido de sua amante Bárbara. Amedrontado, aceitou o convite para um almoço. E enquanto eu desgustava meu peixe - olhando para um casal em lua-de-mel que comia metade da salada e trocava de prato para que os dois provassem um pouco de cada (que bonito…) - Bullaro se surpreendia durante sua refeição: o traído lhe contara que aprovava o caso dele, porque a relação fazia muito bem à esposa. Dessa forma, convidou Bullaro a visitar a casa deles e a conhecer um grupo que se reunia ali, buscando a liberação sexual, a libertação de padrões de posse nas relações. Bullaro, um tanto curioso outro tanto temeroso, visitou a casa uma primeira vez. Na segunda, todos já estavam nus. Foi quando, por fim, acabei o meu sorvete-de-café-costa-riquenho-orgástico (hum..) e já no dia seguinte parti daquele paraíso – Península do Osa – com destino a outra terra encantada – Reserva Manuel Antonio, perto de Puerto Quepos.
Entrava no primeiro ônibus quando o óvulo finalmente começou sua trajetória majestosa por Falópios. Outros dois ônibus e sento numa rodoviariazinha aguardando o penúltimo coletivo. Saco, então, meu melhor amigo da bolsa, e agora Willianson convida a mulher de Bullaro (uia!) para visitá-los. Um tanto constrangido, o marido traidor leva a esposa Judith para a casa da amante. Numa cena pavorosa, Bárbara conta publicamente que havia transado com o marido dela naquela tarde. Judith começa a chorar. Bullaro a tremer. No fim de todo o discurso sobre a liberação sexual, Judith aceita voltar ali e permitir que seu marido faça um amorzinho com outra. Enquanto o casal voltava, mudo, para casa, um homem senta na cadeira laranja ao meu lado. Confirmo se ali era o ponto correto para Quepos e, sem que eu nada mais pergunte, o homem começa seu serviço de informações: "Ah… então você vai para Quepos… sabia que lá tinha uma praia de nudismo? Só que aí começou a dar muito homem todos com o… (e me mostra seu braço em ereção) e aí todo mundo começou a trepar na praia, todo mundo junto. Aí teve gente que não gostou, gente conservadora, e aí acabaram com a praia". Sorrio e ameaço voltar para os braços de Bullaro, quando volta o homem pouco bonito: "Você está viajando sozinha?", respondo "Tô", e ele continua, "Mas não tem namorado?" Daí invoquei meu amado fantasma que sempre aparece nos momentos de "não me enche o saco!" – nem eu sei como, mas quando falo dele meus olhinhos brilham numa paixão tão pura (rarara): "Tenho". "Mas ele não vem aqui?" "Ele está trabalhando, mas semana que vem nos encontramos em San José", sorrio muito apaixonada por Gasparzinho. "Mas você não toparia uma aventura assim com um Tico (os costa-riquenhos se chamam de Ticos) como eu?" Sem me dar espaço para um "não" ele continua: "...uma vez vivi uma história muito bonita com uma brasileira. Ela também era casada, mas aconteceu… e ficamos cinco dias vivendo como um casal, na mesma cabana". Depois de me dar detalhes calientes de sua aventura tenta de novo: "Você não aceitaria viver isso?" Explico que sou muito fiel e que adoro uma relação fechada, com base no respeito mútuo, no "até que a morte nos separe", na verdade e qualquer coisa bem careta que me passasse na cabeça. Definitivamente, preferia viver uma fantasia com Bárbara que com o senhor sentado na cadeira ao lado. Logo entro noutro ônibus e na casa das orgias. Ali, Judith chora ao ouvir os gemidos altos da ruiva ao ser fodida por seu próprio marido.
Depois, na sala, relaxa e até ri ao lado de Willianson. Os dois casais vão juntos para um final de semana em uma cabana. Bárbara e seu amante se metem num quarto. Enquanto unem seus corpos suados, eu faço o check in do quarto e um check list num garçon boa pinta que serve a mesa ao lado. Sigo para a praia. A esta altura, certamente o óvulo estava no centro do útero gritando desesperadamente: "Sai dando querida!!!! Me preparei 28 anos para isto! Filhos!!! Eu quero filhos! Você já está na idade, pára de tanta fantasia! Eu quero realidade!" Caminho entre uma mata e um mar azul quando me sinto mirada por um corpo dourado - engraçado como os turistas ficam trocando sorrisos, numa atitude de cumplicidade tipo "é, eu também estou de férias e agora sou feliz". Sorrio simpaticamente e o cara faz um gesto para que eu me sente ao seu lado. Acho bizarro e continuo rumo à reserva. Mais alguns passos relajados e o cara chega: "desculpa, é que eu sou artista... desenho… tô com os lápis, com tudo aqui na bolsa. Te vi e não sei… é… fiquei com vontade de te desenhar. Posso te desenhar?" Um pouco envaidecida e um pouco divertida por ver o israelense num misto de timidez e cara de pau, ri. Disse que tudo bem, que voltaria por ali no final do dia. Ele insistiu para que fosse naquele momento e eu respondi que queria tirar fotos na reserva, que nos veríamos depois. Segui e após alguns passos ele ressurge: "então nos encontramos na praia entre as pedras, dentro da reserva. O parque fecha, mas você pode ficar lá dentro e então eu te encontro às quatro". Sorri concordando sem saber se meu sorriso era de sim ou não. Segui. Fiz uma trilha sensacional, onde macacos pousavam para fotos e ondas estouravam transparentes penhasco abaixo. Entre um e outro "não pensar em nada" pensava em Bullaro. Pensava no desenhista. Me sentia careta por quase não querer ir para a tal praia entre rochas. Mas fui. Ele não estava. Andei um pouco mais e quando voltei ele veio ao meu encontro. Estava sem a bolsa que deveria ter seus instrumentos de trabalho e me contou uma lorota qualquer nota: " vim aqui… você não estava então deixei a bolsa com uns amigos". A praia era linda e a luz baixa alaranjada anunciava um pôr-do-sol sensacional. Não me sentia ameaçada pelo desenhista sem lápis e sentei ali. Ele perguntou se eu queria nadar. Disse que não. Ele perguntou se me importava se ele nadasse pelado. Disse que não. Enquanto ele tirava a bermuda surfistinha, me virei para chamar Bullaro, apenas para fazer qualquer coisa. Bullaro acabava o sexo com Bárbara. O israelense me pergunta: "Tem certeza que não quer nadar?" Me viro para responder e quase bato o nariz em seu órgão em riste. Mais divertida do que constrangida – mas nada excitada com a diretice pouco romântica – agradeço e digo que prefiro ler. Ele vai para a água enquanto Bullaro sai do quarto e se depara com um casal se amando na frente da lareira. Admirado com a cena – nunca havia visto sexo explícito – ele nota que as coxas ali abertas eram as (pernas) de sua mulher. Enlouquecido volta para o quarto e nega o abraço da calorosa amante. Bullaro entra então no carro, transtornado, pensando em matar Willianson. O israelense volta da água e se abaixa ao meu lado com duas pernas dobradas e outra estendida. Ele pergunta se tudo bem continuar nu, digo que sim mas que não significava nada mais que aquilo. Como não me sentia constrangida nem temerosa de qualquer agressão continuei um pouco curiosa pelo inesperado. "Posso te ajudar em alguma coisa?", fala com a mão em meu ombro. Peço que não me encoste e em seguida comento do pára-quedas que passava puxado por uma lancha: "Uau, deve ser lindo! Que delícia voar! Onde é que se aluga isso? Será que é caro?" "Eu também posso te levar para voar… e não custa nada… pufff" fala com as mãos a se abrirem em êxtase no ar. Oquei, pode ser cultural, caretice, mulherzinha, seja lá o que for. O cara era um gato, bronzeado e bem dotado, mas meu lado latina necessita de um tanto de sambarilove para abrir as pernas. Às vezes desejo ser uma nórdica ou uma coisa mais liberada e simplesmente ir. Mas não rola. Ou pelo menos sem àlcool não rola. Levantei: "Ok! Ya me voy!" O espanhol do cara começou a gaguejar, me pediu desculpas. Disse estar fora de si nos últimos dias. Que tampouco queria transar "tengo una novia..", mas desde que a viu abraçando outro ficou louco, "muy zeloso", transtornado e agora tinha vontade de transar com alguém também. (Fala sério.) Me pediu que não contasse para ela que havia nadado nú na minha frente (fala sério!). Desejo boa sorte na relação, que se resolva, mas que não havia gostado, que ele havia sido rude. Ele pede desculpas completamente gaguejante, procurando palavras que não encontrava no seu volcabulário de segunda língua. Busco minha outra grande amiga de momentos de "não sei o que fazer" e começo a tirar fotos freneticamente do pôr-do-sol – deslumbrante pôr-do-sol… Ele fica ainda tentando dar alguma explicação, conseguindo piorar: "...então se eu me divorciar eu te procuro e a gente se casa". Abaixo a câmera e olho com um misto de desdém, de riso preso, de oh my god! "Tudo bem, casar pode ser demais", emenda. "Suerte chico! Pura vida! Solamente estoy enojada, quiero estar sola". Click click click. Click. Volto ao hotel.


Enquanto o capítulo de Bullaro acabava (mas ele vai voltar e fazer alguma tragédia, pressinto…), pedia um camarão grande para o garçom broto. Goldstein, o novo amigo que me fora apresentado por Gay Talesse, era gordo, gago e não muito bem resolvido sexualmente. Enquanto perdia sua virgindade com uma puta nas cercanias da Broadway, o Tico me serviu os camarões que vinham com metade de seus corpos cortados longitudinalmente. Dessa forma, um era encaixado no outro da frente, dando-me a sensação de que estavam se encoxando num trenzinho bem ali no meu prato. Golsdtein começou a namorar uma mina para frentex por quem se apaixonou loucamente, e o garçon gatinho então perguntou se eu queria algo mais. Sorri agradecendo. "Pero para lo que necesites, acá estoy. En la hora que quieras". Sorri outra vez mais e não sei qual era o teor de meu olhar. "Que vas hacer por la noche? Salgo hoy a las diez, no quiere irse a bailar?" Uau! "Puede ser bueno…" "Tomamos, nos divertimos, bailamos", um latin lover perfeito, cara de não vale nada, destes perfeitos para "a noite de amanhã já me vou". A orgia dos camarões havia abaixado minhas pálpebras, mas a idéia de uma salsa com o Tico me animou bastante. Eram 20h e fui para o quarto. Goldstein se casou com uma gordinha e sua vida sexual se tornou um fiasco. Parou de trepar com a mulher e começou a bater punheta loucamente para revistas, fotos de anuncio de lingerie, cinemas para adultos. Perdeu o emprego, entrou em crises. Me deu sono. Decidi tirar um cochilo antes do baile. Coloquei o despertador para 21h30. Sonhei coisas confusas misturando Bullaro, o israelense, casos passados, gringos negros de terno, biopirataria e uma cama elástica. Acordei sete da manhã num pulo. Enquanto eu lamentava a rumbia perdida, o óvulo, frustrado por ter dado toda a sua vida por nada, se atirava por entre as pernas matando a esperança da nova vida. Too late. Mas mês que vem tem mais.

PS1: no dia seguinte encontrei o israelense. Me pediu outras desculpas, disse que não queria que eu tivesse nenhuma má recordação em minha viagem. Acho que ele é legal, na verdade. Só um pouco sem noção e transtornado de ciúmes.
O broto latin lover disse que me esperou até 22h15 e então foi se emborrachar – tinha uma cara de safado que me fez odiar meu sono pesado. Segui à tarde para San José. Será que meu namorado fantasma vem? rarara


PS2: Na dúvida de se essas coincidências serão um padrão entre realidade e ficção… acabando de ler A Mulher do Próximo, gostaria de ler um romance em que uma viajera conhece um fotógrafo sueco muito talentoso, lindo, atlético, sensacional, sensível, aventureiro, monogâmico, carinhoso e inteligente; os dois se apaixonam absurdamente e saem a velejar pelo mundo no navio dele, até encontrarem uma ilha paradísiaca e decidirem que irão viver ali por um tempo tirando fotos e fazendo vídeos da cultura dos nativos para um canal europeu. Alguém conhece algum com um enredo assim? rarara.

notinhas sem importância sobre a cidade do panamá

- a moeda é o dolar e no aeroporto não trocam nossos reais;
- a primeira vista da cidade parece uma dubai em dimesões centro americanas: prédios modernosos na beira do pacífico;
- muito marisco: camarões grandes, lula, polvo e preços simpáticos!
- táxis que dividem os bancos pegando gente pelo caminho; se dão ao direito de te aceitar ou não; falam rápido, não usam o nome das ruas, mas são baratos, bem baratos; fiz um trecho de dez minutos ou mais por US$ 1,25;
- os ônibus são conhecidos como diablo rojos, correm móinto;
- o trânsito é louco; há cruzamentos sem sinal onde, apesar da pista preferencial estar bombando, os carros simplesmente se jogam cruzando, e that’s it;
- baladas bacanas.

25 de abril de 2008

um paraíso para cada dia do ano

Assim é San Blas. Umas ilhotinhas perdidas no azul caribenho. Umas grandes, outra cenário de filmes com um único coqueirinho na areia branca. Paradisíaco. Tudo ali é propriedade da etnia indígena kuna sendo que os mais velhos não arriscam nenhuma palavrinha em espanhol. Boa parte dos turista fica em casas de família e hotéis improvisados.
Foi no meu segundo dia por lá conheci Andreia. Sempre piro pensando que as pessoas que conheço e gosto nas viagens se morassem na mesma cidade que eu jamais nos cruzaríamos. Que o que nos une é normalmente a paixão por estarmos em um local desconhecido, uma língua diferente que permite que muito se fantasie sobre o outro nas lacunas do incompreensível. E nada mais. Mas da Andreia seria amiga, com certeza. Assim depois da praia fomos dar uma voltinha na vila. Curiosa por um cartaz que explicava o que era violência contra a mulher, entrei num hospital. Li e puxei qualquer assunto com o cara sentado na frente da tv. Daí a pouco já estava confortável na cadeira ao seu lado, e outro pouco mais Andreia do outro lado. O homem era kuna, nascido na ilha ao lado. Foi para Cuba fazer medicina, depois trabalhou na Cidade Panamá e agora voltava para trabalhar com seu povo. Tinha uma visão que mesclava a crítica de quem vê de fora e a compreensão de quem cresceu dentro. Contou que nos rituais de casamento os amigos do homem buscam ele e carregam na carcunda até a cabana da noiva. Colocam-no numa rede enquanto ela aguarda escondida. Os amigos então buscam-na e colocam na mesma rede. Ali se faz a cerimonia. Disse que antes ela ficava numa rede num extremo da oca e ele noutra – com os pais da moça bem no meio. A cada noite eles se aproximavam uma redinha e só depois de romperem todas as barreiras os pombinhos podiam viver sua lua de mel, bem ali ao lado dos sogrões. Mas que hoje o processo é mais rápido e na primeira noite já vale um amorzinho. Fiquei imaginando a noção de intimidade que eles tem. Coisas que para os ocidentais derivados dos europeus são totalmente tabus e vergonhas para eles deve ocorrer numa normalidade deliciosa. Se aproximou as onze da noite, hora em que o gerador pára, e antes da privacidade nas ocas se iluminar, caminhamos de volta para o hotelito que tocava Nirvana no DVD.

Mão na bunda

Pela primeira vez saí do hotel. Os dias corridos de cobertura de imprensa arrasaram a vaidade e o rimel. Mas indo ali, do outro lado da avenida, senti que valia uma basesinha com gloss. Fazia tempo que não escutava tanta buzina cantando e tantos olhares que miram os corpos femininos como se fossem bistecas. Um certo nojo. Atravesso a rua e enquanto espero a amiga amedrontada com os carros um negão largo passa do meu lado. Sussura um chica sei lá o que que não entendo e passa a mão na minha bunda. Empanico com o machismo da zona mais nobre da cidade. Uma vozinha então me fala discretamente: ojo chica, o mundo não é o que deveria.

bye bye baby

Saí do carro como quem diz “pô, até amanhã”. Vinte e um quilos nas costas, outros dez de camera e afins, um táxi e uma perguntinha insistente: “tá indo por quê?” Não faltavam certezas mas a despedida deliciosamente confusa fez tudo começar um pouco mais platônico e romântico. Me senti ali um soldado indo para a guerra com um maço de envelopes, se apegando a alguma certeza e algum porto, que se deslocariam dia a dia, mail a mail, silêncio a silêncio. A mão fria e estômago gelado de horas anteriores haviam movimentado o corpo de uma forma adolescente que ia totalmente de encontro aquele discurso todo de independência que arrumou a mala. No aeroporto os suspiros guiaram até o avião, o sono pesado até o Panamá e lá – acá – as pernas até a primeira cerveja. Demorou para o primeiro gole. Três dias. E a primeira botella não teve cia. Ficou ali dentro de mim, feliz, ouvindo salsa, merengue e hits americanos dos 80.